por Caio Coletti
Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:
007 Contra Spectre (Inglaterra/EUA, 2015)
Direção: Sam Mendes
Roteiro: John Logan, Neal Purvis, Robert Wade, Jez Butterworth
Elenco: Daniel Craig, Christoph Waltz, Léa Seydoux, Ralph Fiennes, Monica Bellucci, Ben Whishaw, Naomie Harris, Dave Bautista, Andrew Scott, Rory Kinnear
148 minutos
Quando do lançamento de Spectre, o 24º filme estrelado pelo espião britânico James Bond desde O Satânico Dr. No, de 1962, os reviews pouco favoráveis ao filme foram rivalizados, em termos de atenção da mídia, só pelos ácidos comentários de Daniel Craig, astro das últimas quatro produções da franquia, em entrevistas. Craig não só confirmou que não pretende interpretar Bond novamente, como discursou francamente sobre as tendências misóginas do personagem e seu longo histórico de usar mulheres como objetos sexuais (e ser considerado muito cool por isso). De certa forma, o Bond de Craig é uma suavização dessa característica do personagem, principalmente porque já o vimos se apaixonar antes, em Cassino Royale, pela Vesper Lynd de Eva Green, um espectro que assombrou todas as quatro instalações da franquia estreladas por Craig. Isso não perdoa o personagem automaticamente, mas garante que ele ganhe mais nuance, no sentido que somos capazes de enxergar a sua jornada emocional mesmo que não apoiemos o seu comportamento – em muitos sentidos, o Bond de Craig não é um cara do qual gostamos muito, mas é um protagonista formidável mesmo assim.
O problema de Spectre, como última investida de Craig no papel, é que o ator está largamente desinteressado em fazer o personagem funcionar, e para completar ainda é dado um roteiro que tenta fazer muito em pouco tempo (sim, pouco tempo, mesmo com os 148 minutos de metragem). Fechar a jornada do personagem, amarrando pontas soltas de outros filmes, incluir uma subtrama política com um discurso de liberdade de informação, passar por todas as convenções (do “Bond. James Bond.” ao pedido do martíni, passando pelo carro) da franquia, e ainda entregar uma aventura divertida, com cenas de ação intensas, que contenha um vilão definitivo e definidor para o Bond de Craig. Pelo menos na escalação o filme acerta – Christoph Waltz é sempre uma presença bem-vinda, especialmente em um papel que lhe cai como uma luva, mas o filme desenvolve seu Blofeld de forma rasa, sem a magnitude que o seu encontro com Bond deveria ter (levando em consideração o histórico dos dois personagens). Léa Seydoux se dá melhor como uma bondgirl tão marcante quando Vesper, em grande parte graças aos esforços da atriz.
Para quem esperava uma conclusão apoteótica para a quadrilogia do Bond de Daniel Craig talvez tenha se decepcionado, mas Spectre ainda é exponencialmente melhor que muitas das instalações da franquia anteriores a essa nova fase capitaneada pelo loiro britânico. Para quem não liga muito para isso, ainda sobra a fotografia espetacular (de verdade) de Hoyte van Hoytema, o cinematógrafo suiço que fimou Interestelar e Ela, entre tantos outros, e já se destaca como o nome por trás dos filmes mais gloriosamente belos dos últimos tempos.
✰✰✰✰ (3,5/5)
Ricki and the Flash (EUA, 2015)
Direção: Jonathan Demme
Roteiro: Diablo Cody
Elenco: Meryl Streep, Kevin Kline, Mamie Gummer, Sebastian Stan, Rick Springfield, Audra McDonald
101 minutos
Vamos tirar uma coisa do caminho: sim, Meryl Streep pode fazer tudo. A atriz vencedora de 3 Oscar, do alto de seus 66 anos, encarna uma rockeira fracassada em Ricki and the Flash – após se casar e ter três filhos com Pete (Kevin Kline), ela saiu do subúrbio no Meio-Oeste americano onde vivia com a família e foi tentar a sorte como vocalista de uma banda na Califórnia. Não deu certo, e Ricki agora toca com seu grupo de instrumentistas (o The Flash) em um barzinho da cidade em que mora, enquanto o marido se casou novamente e os filhos ressentem a mãe ausente. A emergência familiar que a traz de volta para a cidade natal é a depressão da filha mais velha, Julie (Mamie Gummer, filha de Meryl na vida real), que tentou se matar depois do marido traí-la e deixá-la para trás. Na pele de Ricki, Meryl canta com as habilidade já provada em Mamma Mia! e Caminhos da Floresta, faz pose de rockstar no palco com um carisma insuspeito, e constrói uma personagem mais ordinária e trágica do que está acostumada a interpretar, deixando de devorar cenários como fez em Álbum de Família, por exemplo, e entregando uma interpretação quieta e extremamente envolvente. Meryl nos faz acreditar nessa fracassada americana, com convicções políticas um pouco conservadoras demais para a família liberal, e um estilo de vida liberal demais para a família conservadora. Ressentimentos e conflitos borbulham em Ricki and the Flash, mas o diretor Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes) e a roteirista Diablo Cody (Juno) preferem tomar um caminho mais sutil do que fazer com que todos esses sentimentos se explodam em tela.
Por falar em Cody, a famosa roteirista das referências pop e entendimento profundos dos detalhes da mentalidade americana (e humana, a bem da verdade) abaixa um pouco a bola em Ricki and the Flash, contendo os diálogos rápidos e escrevendo para personagens mais maduros, ainda que essencialmente tão perdidos e equivocados quanto Juno ou Mavis, a personagem de Charlize Theron no subestimado Jovens Adultos, de 2011. Sua afeição por esses personagens, pelas suas falhas, seus segredos, seus sentimentos escondidos e suas sensações à flor da pele, carrega Ricki and the Flash do começo até o final, e provem os atores com pratos cheios para construir performances interessantes. Gummer, emprestando sensibilidade e concentração para sua personagem deprimida, é um destaque óbvio, por vezes até ofuscando a mãe em cena; mas Kline e Rick Springfield, ele mesmo um rockstar da vida real, também tem seus momentos e suas virtudes.
Saudado como um retorno de Jonathan Demme à materiais e temas caros a sua filmografia antiga, Ricki and the Flash é um drama musical com um elenco que transpira garra, além de um roteiro que se esforça para encontrar um retrato preciso da situação que propõe, com todos os espinhos e preconceitos contidos nela. É um triunfo menor para todos os envolvidos, mas nem por isso deixa de ser um triunfo.
✰✰✰✰ (3,5/5)
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